A capacidade das vias
metabólicas em manter um ritmo satisfatório de síntese energética (na forma de
adenosina trifosfato - ATP), de acordo com a demanda dos músculos ativos de um
atleta, não depende apenas da concentração do substrato energético, mas também
de uma ingestão adequada de micronutrientes. Estes são fundamentais para a
síntese de enzimas e cofatores enzimáticos capazes de efetuar, em uma
velocidade apropriada, as transformações químicas necessárias para a eficaz
extração de energia, a partir da estrutura molecular dos substratos. Dentre os vários micronutrientes necessários, o ferro
merece destaque, não apenas em razão das consequências atribuídas à baixa
concentração desse mineral sobre o metabolismo energético, mas também pela
susceptibilidade do organismo à carência do metal.
A carência de
ferro pode afetar negativamente o metabolismo aeróbico do organismo, em
decorrência da diminuição na concentração sérica de hemoglobina e enzimas envolvidas no processo oxidativo.
O estado deficitário desse mineral, na maioria das vezes, tem como etiologia
uma ingestão de ferro abaixo das recomendações diárias. Em atletas, há outros
fatores além da dieta que comprometem a biodisponibilidade do ferro no
organismo, sendo eles:
Hemorragia gastrintestinal: sintomas
gastrintestinais são comumente observados em atletas, principalmente em
corredores de longa distância que comumente apresentam hemorragias
gastrintestinais.
No
estudo realizado por Nachtigall et
al., foram examinados corredores de longa distância do sexo masculino
(n=45), utilizando-se como marcador ferro radioativo nas fezes, suor e urina.
Na análise, observou-se que 23 indivíduos tiveram decréscimo nos valores de
ferritina sérica (<35µg/L) no dia da competição, comparado com o momento em
que estavam em repouso. Dessa amostra, oito atletas apresentaram alta
prevalência da típica deficiência nos corredores. Assim, a perda de sangue
gastrintestinal foi a principal razão para o balanço ligeiramente negativo dos
níveis de ferro nesses sujeitos.
Hemólise por impacto: acontece em consequência
dos sucessivos traumas mecânicos impostos aos capilares durante a prática
esportiva, liberando remanescentes da hemólise, deixando dispersos no plasma os
componentes das hemácias rompidas. Dentre os compostos livres no plasma,
provenientes das células vermelhas mortas, encontra-se a hemoglobina, cujo
componente principal é o ferro.
É importante
ressaltar que, isoladamente, a hemólise por impacto não produz um efeito
deletério que provoque um grau muito avançado de deficiência férrica, pois há
proteínas,como a haptoglobina que
fornecem aporte fisiológico no intuito de conter o avanço da anemia
verdadeira. O grau de hemólise muito alto pode gerar o esgotamento dessa
proteína no sangue, deixando a hemoglobina livre para ser eliminada por via
renal.
Hemólise por radicais livres: Nas atividades aeróbicas
ocorre um aumento de 10 a 20 vezes no consumo total de oxigênio pelo organismo,
gerando uma elevação de 100 vezes na captação de oxigênio pelo tecido muscular.
Cerca de 95% a 98% do oxigênio utilizado pela mitocôndria têm como produto
final água e energia. O restante, 2% a 5% devido à forte tendência da molécula
de oxigênio receber um elétron por cada vez até a sua conversão a água, pode
ser reduzido univalentemente em metabólitos, denominados espécies reativas de
oxigênio ou radicais
livres.
Transpiração: Durante o processo de transpiração, ocorrem perdas de
eletrólitos, dentre os quais os íons sódio e potássio são os mais comumente
enfatizados, devido à sua importância. Já os íons ferro, apesar de estarem
contidos na composição do suor, aparecem discretamente na literatura, porém
isso não os exclui de serem considerados como um alerta para atletas que tendem
à anemia. Vilard et al. sugerem que uma grande sudorese pode
gerar um deficit de ferro.
Todos esses
fatores somam-se a hábitos alimentares de diversos atletas que se privam de
muitos tipos de alimentos ricos em ferro, para seguir dietas majoritariamente
vegetarianas, por exemplo.
A anemia
esportiva não pode ser considerada uma anemia propriamente dita, pois seu
diagnóstico pode ser obtido através de um resultado mascarado por processos
fisiológicos de adaptação do organismo à prática regular de exercício. Esses
processos adaptativos resultam na expansão do volume plasmático, promovendo uma
hemodiluição dos componentes do sangue e gerando diminuição na contagem de
hemácias e na concentração de hemoglobina, o que explica o perfil anêmico de
alguns atletas.
Os exames laboratoriais mais
utilizados não representam a reprodutibilidade e sensibilidade necessárias à
obtenção de um resultado fidedigno em atletas, como por exemplo a medida da
concentração de hemoglobina (valores de referência para homens >130g/L e
mulheres >120g/L). Mas as adaptações fisiológica existentes durante a
prática de atividades físicas regulares provocam um aumento do volume
plasmático e consequente diluição dos componentes sanguíneos.
Desse modo, faz-se necessária a
utilização de indicadores que determinem o atual estado das reservas de ferro,
como ferritina plasmática, transferrina sérica, receptor solúvel de
transferrina sérica (sTfR) e
saturação de transferrina, ferro sérico e
biópsia da medula óssea. Porém, a biópsia da medula óssea é um procedimento
invasivo e dispendioso, sendo praticamente inviável o seu uso.
Observa-se que nem todos os exames hematológicos
relacionados à identificação de uma possível deficiência de ferro estão aptos a
ser utilizados como parâmetro preventivo ou diagnóstico em atletas. Por esse
motivo, faz-se oportuno selecionar métodos de análise férrica que não estejam
sujeitos a alterações em seus resultados em decorrência das adaptações sofridas
pelos atletas, como os testes de Ferritina Sérica (FS), receptor solúvel de
Transferrina Sérica (sTfR), índice sTfR/log ferritina, capacidade de ligação do
ferro à transferrina e ferro sérico.
ARAUJO, Luciano Ragone et al . Aspectos
gerais da deficiência de ferro no esporte, suas implicações no desempenho e
importância do diagnóstico precoce. Rev. Nutr., Campinas , v. 24, n.
3, June 2011 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-52732011000300012&lng=en&nrm=iso>.
access on 11 June 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-52732011000300012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário