sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Deficiência na enzima glicose-6-fosfato desidrogenase e a malária

   A deficiência na enzima glicose-6-fosfato desidrogenase é uma doença hereditária de caráter recessivo ligado ao cromossomo X, sendo mais prevalente no sexo masculino. Essa deficiência acomete cerca de 400 milhões de pessoas no mundo, sendo mais frequente na raça negra1,3.
      A enzima glicose-6-fosfato desidrogenase participa da fase oxidativa da via das pentoses fosfato de modo que oxida, na presença de Mg2+ e NADP+, a glicose-6-fosfato em 6-fosfoglicono-∆-lactona liberando NADPH + H+. Esse NADPH, que é a espécie reduzida, atua como um antioxidante, pois tem a capacidade de doar elétrons para espécies reativas diminuindo assim o estresse oxidativo1.
     A deficiência nessa enzima gera um quadro de anemia hemolítica, o qual ocorre devido à hemólise, que consiste na destruição anormal de eritrócitos. Isso ocorre, principalmente, porque os eritrócitos não fazem respiração celular e, portanto, necessitam da via das pentoses fosfato para reduzirem o NADP+ em NADPH; como isso não ocorre, espécies reativas oxidam os  lipídeos da membrana dos eritrócitos, rompendo-as.
    Nos casos de malária, o rompimento dos eritrócitos torna-se vantajoso, uma vez que o protozoário Plasmodium reproduz-se no interior destas células. Entretanto, os mecanismos de resistência à infecção pelo Plasmodium em indivíduos com deficiência desta enzima, ainda não são perfeitamente conhecidos. Estudos "in vitro” tem demonstrado que este plasmódio não consegue se desenvolver adequadamente nos eritrócitos deficientes, então a doença ocorre de forma mais branda ou até mesmo não progride2.
   Essa é uma deficiência enzimática que confere uma resistência imunológica inata (propriedade inerente do hospedeiro e independe de qualquer contato prévio com o parasito) e é importante em regiões onde a malária é endêmica, como na África. Deste modo, podemos entender porque essa deficiência é mais prevalente na raça negra (seleção natural).       Porém, uma observação importante é que para pessoas que já possuem essa deficiência, os medicamentos antimaláricos, como a primaquina, pioram o quadro de anemia, uma vez que possuem um caráter oxidante e podem levar a uma hemólise aguda1,4.

Referências
1  Maurício, C.R.F. et al. Deficiência de glicose–6–fosfato desidrogenase: dados de prevalência em pacientes atendidos no Hospital Universitário Onofre Lopes, Natal – RN, RBAC, v. 38(1), p. 57-59, 2006. 
2 Barravieira, B. et al. Malária no município de Humaitá, Estado do Amazonas. CXI. Prevalência da deficiência de Glicose-6-Fosfato desidrogenase (G6PD) em amostra da população e em grupos com malária causada pelo Plasmodium Falciparum. Rev. Inst, Med. Trop., v. 29(6), p. 374-380, 1987. 
3 Estudo Genético da Deficiência de Glicose 6-Fosfato Desidrogenase (G6PD), disponível em http://www.hermespardini.com.br/atual_manual/pdf_genetica_novos_exames/Deficiencia_de_Glicose_6-Fosfato_Desidrogenase_(G6PD)_Estudo_Genetico.pdf. 
4 Silva, M.C.M. et al. Alterações clínicolaboratoriais em pacientes com malária por Plasmodium vivax e deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase tratados com 0,50mg/kg/dia de primaquina. Rev. Soc. Bras. Med. Trop. , v. 37(3), p. 215-217, 2004.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Toxina da cólera e diarreia

          Já se sabia que a toxina da cólera (TC), sintetizada pela bactéria Vibrio cholerae, era a principal responsável pela ocorrência da diarreia aquosa na cólera. A TC entra nos enterócitos através de vesículas celulares e sofre um tráfego retrógrado para o retículo endoplasmático, onde uma de suas subunidades é translocada para o citosol. Esta subunidade (chamada de CtxA) ativa permanentemente a adenilato ciclase presente na membrana plasmática das células. O monofosfato de adenosina cíclico sintetizado pela adenilato ciclase estimula uma série de enzimas intracelulares que ativarão canais específicos para saída de cloreto. Canais de sódio também são abertos nesse processo, o que gera um gradiente osmótico bastante favorável à saída de água. Entretanto, ainda não estava claro se esses eventos eram suficientes para a indução da diarreia aquosa na cólera.
     Um estudo recentemente publicado na revista “Cell Host & Microbe” revelou um mecanismo que permite a saída de água e de outros eletrólitos para a luz do intestino. Aparentemente, a subunidade CtxA da TC induz uma diminuição nos níveis de outra enzima, a Rab11, que é uma pequena guanosina trifosfatase. Esta enzima controla a transferência de vesículas de reciclagem para a face basolateral do enterócito. Assim, a inibição da Rab11 provocada pela TC impede a manutenção de moléculas das junções aderentes entre os enterócitos, gerando um enfraquecimento dessas junções. Este enfraquecimento facilita a saída de líquidos entre os enterócitos causando a diarreia que, em pacientes adultos, pode levar à perda de 10 a 20 litros de água por dia. 

Referências
Guichard A, Cruz-Moreno BC, Aguilar B, van Sorge NM, Kuang J, Kurkciyan AA, Wang Z, Hang S, Pineton de Chambrun GP, McCole DF, Watnick P, Nizet V, Bier E. Cholera toxin disrupts barrier function by inhibiting exocyst-mediated trafficking of host proteins to intestinal cell junctions. Cell Host Microbe. 2013;14(3):294-305.

sábado, 9 de novembro de 2013

Fenilcetonúria e cálcio

 No Brasil, a fenilcetonúria atinge, aproximadamente, um a cada 24.780 indivíduos. Sendo que a maior quantidade de indivíduos com a doença encontra-se na região sudeste; além de estar presente em outras grandes nações do mundo.
É de conhecimento geral que portadores da fenilcetonúria, um erro inato do metabolismo, devem evitar certos alimentos para que o quadro da doença não avance, pois ela pode causar danos neurológicos irreversíveis. Sendo a dieta usada, inclusive, como tratamento da doença. Devido a esse fato, eles devem buscar fontes de certos minerais e vitaminas em fontes de alimento que estejam restritos a dieta. Com isso, infelizmente, nem todos os nutrientes necessários são ingeridos no dia a dia do doente.
Uma ingestão que é prejudicada no processo é a do cálcio. Isso faz com que os portadores desse erro inato apresentem osteopenia e fraturas ósseas com maior frequência.
Crianças e adolescentes são os mais afetados por essa escassez nutricional. Inúmeros estudos constataram que crianças acima de 8 anos que apresentam a fenilcetonúria apresentam complicações ósseas com mais frequência comparado ao grupo de crianças de faixa etária semelhante em que a doença é ausente. Isso porque nessa etapa do desenvolvimento humano ocorre uma grande absorção de cálcio pelo organismo.
Outro fator que contribui para escassez de cálcio são os excessos de fenilalanina na circulação, o que contribui para um aumento na excreção de cálcio.
A dieta é essencial para o tratamento do indivíduo. Assim, complementos vitamínicos e minerais devem ser administrados para se evitar carências nutricionais como a citada acima. Como resultado, haverá uma absorção de cálcio ideal pelo portador e o seu desenvolvimento ósseo não será prejudicado.
             
Referências
Martins, F. F.; Mendes, A. B.; Cruz, W. M. S.; Boaventura, G. T. Metabolismo do cálcio na fenilcetonúria. Revista de Nutrição, v. 22, n. 3, 2009.
Monteiro, L. T. B.; Cândido, L. M. B. Fenilcetonúria no Brasil: evolução e casos. Revista de Nutrição, v. 19, n. 3, 2006.