sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Anemia ferropriva na gestação

A gestação é caracterizada por ajustes fisiológicos e anatômicos que provocam mudanças importantes no organismo materno, incluindo os elementos do sangue circulante e o processo de expansão do volume plasmático com consequente hemodiluição¹. O útero sofre modificações de hipertrofia e dilatação, requerendo aumento da vascularização pela necessidade de maior perfusão sanguínea, enquanto que na placenta, devido ao aumento progressivo, ocorre incremento correlato do fluxo sanguíneo uteroplacentário com a evolução da gestação, o que demanda, também, aumento no número de vasos sanguíneos².

Nesta fase gestacional, se o suprimento de ferro não for adequado poderá ocorrer o desenvolvimento de anemia ferropriva, que é definida como a condição que resulta da inabilidade do tecido eritropoiético de manter a concentração normal de hemoglobina devido ao inadequado suprimento de ferro, sendo que, World Health Organization (WHO) estabelece o limite de 11,0 g/dL, abaixo do qual se define a anemia na gestação². Além da hemoglobina como marcador da anemia na gestação, tem-se o hematócrito como indicador, quando seus valores são inferiores a 33%. Assim, tanto hemoglobina quanto hematócrito são usados com frequência como teste de triagem e confirmação de diagnóstico de anemia¹. No quadro 1, retirado do artigo “Prevalência de anemia e deficiência de ferro: relação com índice de massa corporal em gestantes do Centro-Oeste do Brasil”, estão expressos os valores de referência desses indicadores para diagnóstico de alteração da condição nutricional.

Quadro 1. Valores de referência e classificação dos índices hematológicos.
Retirado do artigo “Prevalência de anemia e deficiência de ferro: relação com índice de massa corporal em gestantes do Centro-Oeste do Brasil”.

Índices hematológicos
Método de análise
Limites para diagnóstico de alteração
Classificação da condição nutricional
Hemoglobina (Hb)
Espectrofotometria com equipamento Pentra 80 Marca ABX, (Paris França)
Abaixo de 11g∕dl
Anemia
Hematócrito (Hct)
Método de integração numérica do volume corpuscular médio (VCM)
Abaixo de 33%
Anemia

Existem duas formas químicas do ferro nos alimentos: o ferro heme e não-heme. O primeiro encontra-se na estru­tura do anel porfirina, ligado à hemoglobina e mioglobina, representando cerca de 40% do ferro do tecido animal. Sua absorção é elevada e não é influenciada pelos fatores antinutricionais. As formas inorgânicas ou ferro não-heme estão presentes tanto em tecidos animais como em todos os vegetais que contêm ferro; porém, são de baixa biodis­ponibilidade.³

A absorção do ferro se dá do seguinte modo: o ferro absorvido no trato gastrointestinal se liga a uma glicopro­teína: a transferrina. Ligado a esta proteína, o ferro circula pelo organismo. Na superfície das células, o ferro liga-se a receptores específicos. O complexo transferrina-ferro ligado a receptores penetra na célula. A transferrina libera o ferro deixando a outra parte (apotransferrina) voltar à superfície celular, retornando em seguida à circulação, continuando então o seu ciclo³.

A deficiência de ferro durante a gestação tem sido relacionada ao aumento da morbidade e mortalidade de gestantes e do feto. A relação entre anemia da gestante e risco de nascimento de crianças prematuras parece específica da anemia por deficiência de ferro².

Alimentos fortificados com ferro apresentam-se como a opção mais interessante para grupos populacionais específicos, como gestantes, constituindo-se numa medida de alta efetividade e flexibilidade, rápida aplicação e socialmente aceita, por não demandar mudanças na rotina alimentar dos indivíduos².

Com o programa de fortificação de farinhas (a fortificação das farinhas de trigo e de milho com ferro e ácido fólico é obrigatória no Brasil desde 2004) acoplado ao programa de suplementação de ferro para gestantes e lactantes (instituído pela Portaria nº 730/GM em 13 de maio de 2005), cuja demanda específica não seria atendida exclusivamente com o ferro dietético, a perspectiva de controle da anemia é promissora². 

Diante da importância do suprimento de ferro durante a gestação, é realmente imprescindível que haja uma preocupação social em se garantir que todas as gestantes possam adquirir ferro pela alimentação. Afinal, mantendo-se níveis adequados de ferro no organismo, afasta-se uma doença que compromete o desenvolvimento do feto, mas que é relativamente bastante prevenível.

Referências:

1. CAMARGO, R.M.S. et al. Prevalência de anemia e deficiência de ferro: relação com índice de massa corporal em gestantes do Centro-Oeste do Brasil. Medicina. Ribeirão Preto, 2013. 46(2): 118-27.

2. NEME, L.C.L.H. et al. Estado nutricional, consumo de ferro e vitamina C e níveis sanguíneos de hemoglobina de gestantes: estado nutricional e hemoglobina de gestantes. Cadernos da Escola de Saúde, Curitiba, 4: 149-164 vol.1.

3. MOURA, N.C.; CANNIATTI-BRAZACA, S.G. Avaliação da disponibilidade de ferro de feijão comum (Phaseolus vulgaris L.) em comparação com carne bovina. Ciênc. Tecnol. Aliment., Campinas, 26(2): 270-276, abr.-jun. 2006.